terça-feira, 14 de junho de 2011

Texto Livre: A HISTÓRIA DAS 10 HORAS

A História das 10 Horas
A história é completamente fictícia, qualquer semelhança com a realidade é meramente coincidência.

Era uma noite calma, ninguém imaginaria a correria que se passava na cabeça daquele jovem rapaz. Ele se chamava John. Cursava o primeiro ano do tão cobiçado curso de medicina da Universidade Federal de Goiás. Para quem ficasse sabendo apenas dessa pequena informação invejaria com certeza esse status criado pela sociedade. Entretanto, é quando se está dentro do curso de medicina que se percebe o tanto que ele exige do estudante. E é em um desses dias, em que parece que todas as coisas se combinaram em acontecer tudo ao mesmo tempo, que essa história acontece.

Havia saído de uma aula de Saúde Coletiva I, uma aula diferente onde os alunos acompanham agentes de saúde do Posto de Saúde Itatiaia em visitas às casas dos necessitados e usuários do SUS da região. Tudo tinha ocorrido super bem, embora haviam lhe encarregado o serviço de imprimir um pequeno trabalho de Histologia, de nove páginas, para o dia seguinte as 07h30min. Não havia chances de imprimir no outro dia pelo volume de páginas a serem impressas. Em tese, estava tudo sob controle, sairia da aula, colocaria o trabalho em um pendrive e pronto. No entanto, em um lampejo repentino de memória, se acometeu que às seis horas deveria estar no IPTSP para concluir o seu artigo para apresentação em um congresso - havia tempo que sonhava com isso - e não podia se dar ao luxo de faltar. Confiante que concluiria o artigo antes de umas oito horas, adiou a impressão e foi ser feliz escrevendo seu artigo.

Deram oito horas e a sessão "resultados e discussão", que era para ser concluída naquela noite, não estava nem na metade. Deu-se conta da encrenca que se encontrava e entrou em contato com uma colega de seu grupo do trabalho, Mag. Informou-lhe rapidamente o que se procedia, e deixando-a encarregada de imprimir o bendito trabalho. Com a consciência mais tranquila, dedicou-se novamente ao artigo.

Cansado e percebendo que tudo ia contra o seu progresso, deu um fim naquele serviço e se dirigiu para casa, visualizando uma ducha quente, uma jantinha caprichada, e o Machado lhe esperando ao lado da cama. Como era sua obrigação à impressão do trabalho resolveu entrar em contato com Mag. Ninguém atendia. Telefonou para seu colega James buscando informações. Não sabia nada sobre Mag e nem da situação do trabalho. O mundo girava contra o sucesso do grupo.

Em seu e-mail, sem saber o que proceder, viu a manchete do MSN Hoje!, "Manifestação pelos direitos dos servidores...", só leu até aí. Imaginou que talvez na Faculdade de Direito, por ter aula no período noturno, haveria uma xerox aberta. Eram 10 horas. Ignorou o fato que talvez Mag pudesse ter imprimido e "esticou na carrera". Percorreu em torno de 300 metros em menos de 1 minuto. Chegou no Direito. Perdido naquele ambiente estranho gastou minutos percorrendo corredores até dar de cara com o Shallon. Portinha de madeira encostada, com um desenho de uma impressora na porta. É ali mesmo.

Com dificuldade para se expressar, tira o pendrive do bolso, coloca-o na mesa dizendo:

-“É coisa grande”!

-“Aí que é bom”. Completou o moço da xerox.

Um pouco mais tranquilo, respirando cada vez melhor, a astenia foi tomando conta do corpo sem preparo, e ainda desgastado do JIM. Mandou uma mensagem para Mag e James, informando sua vitória. Exatamente no mesmo instante, recebe de Mag a notícia de que não conseguira imprimir. Estava no local certo, parecia que as coisas estariam entrando nos eixos. Deu as coordenadas para o moço da xerox, quatro cópias coloridas do trabalho e quarenta preto e branco, sem se importar com o custo, isso era de menos - não era não. Sentou na poltroninha do lado, fechou os olhos. Visualizou olivas e o verme. O I, II, III, IV ventrículo, LIX...

-“Quanto vai ficar tudo!!!”

-"Pera um poquin. Cinquenta e oito e oitenta”.

-"Tô só com quarenta aqui, vou ali em casa e já volto. Cinquenta e cinco e nóis mata isso!”.

-“Fecho”.

Primeiro, terceiro, sétimo degrau. Já estava no topo da escada e correndo a caminho de casa. Sabia que precisaria de mais 15 reais, não sabia aonde. Entrou no prédio, aproveitando o social que havia feito com o porteiro, pediu-lhe dez reais emprestados. Consegui quatorze e cinquenta, com as moedas que Kate, outro membro do grupo, lhe havia dado mais cedo, estava O.K. Atravessou a avenida num tiro e seu baço contraiu. Com dificuldades chega de novo à xerox. Joga o dinheiro na mesa e espera. Pronto. Tudo acabado. Não. Aguardando as quarenta xerox, perguntou sobre as coloridas.

-“Essa eu já imprimi”.

-“Posso dá uma olhada”.

-“Aqui”.

Era apenas uma cópia. Bem que eu vi que havia ficado muito barato.

-“Não fii, são quatro cópias coloridas”.

-“Num era só uma não? Tem problema não, nóis imprime elas agora. Me dá o pendrive”.

-“Mas a conta já tá fechada, né”?

-“Eu num tinha contado elas não. Peraí. Quatro páginas coloridas vezes dois reais cada, oito reais vezes as três cópias. Vinte e quatro reais”.

-“Não fii, cê me quebra desse jeito, vintin e to ino correndo lá em casa”.

-“Beleza”.

Não tinha ideia de onde arrumar o dinheiro, o porteiro já tinha ido, não sabia de ninguém no prédio que poderia lhe quebrar esse galho.

-“Seu João, esses cara de xerox é foda. Num presta atenção e depois nóis que tem que ficar nessa correria”.

Pegou o elevador, entrou em casa. 10 e meia. Foi direto no cofrinho. Custou contar vinte reais de moeda, mas ali estavam, vinte “pratinhas”. Voltou pro Direito, mas dessa vez devagar. Não precisava correr, só faltava pagar.

-“Quebrei o cofrin...” Disse jogando as vinte moedas na mesa.

-“E vai ter que quebrar o cofrin de novo”.

-“Quê”?

-“Ficou faltando quatro reais das páginas preto e branco do grupo das coloridas”.

-“Ah, vai... Cê me rebenta desse jeito, vou voltar lá em casa de novo, num tem nem lugar pra achar mais dinheiro”.

-“Vou deixar anotado aqui e você me paga depois”.

-“Mata isso aí logo”.

-“Tem como não, já fiz um desconto bão procê. Tem como tirar mais nada”.

-“Então fecha isso aí logo”.

10 e trinta e sete: "CHEGOU VIVO EM KSA?". Isso é o James. Estava acabando, mas ainda não. Ensacou as quarenta e quatro cópias do trabalho e se dirigiu à saída. Adoro a Bianca, me fez gastar setenta e nove em menos de uma hora, por causa de que? Graça, para fazer seu gosto. Envia pro e-mail da turma que não se gasta nem um real e um minuto. Mas está tudo legal, são só dez e cinquenta de dois da noite. Cheguei em casa e agora é estudar. Banho frio pra relaxar. Temporariamente ele estará calmo como a noite, mas em breve tudo explodirá novamente, aliás, ele faz medicina.


Tássio Lima Tavares
Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Medicina (FM/UFG)
Acadêmico da Turma LIX

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